quinta-feira, 28 de junho de 2012

Escada rolante, para que te quero?

Dia desses, no metrô Consolação, em um horário fora do rush, subi de escada rolante e cometi o imperdoável erro de ficar à esquerda. Distraído, não me lembrei que esse lado da escada é reservado para aqueles que, de tão apressados, precisam ainda subir andando ou correndo na escada rolante. Um rapaz, demonstrando imensa irritação, criticou-me quando juntos chegamos ao topo, próximo às catracas de saída. "Da próxima vez você fique à direita, porque você me atrapalhou muito!!!", disse ele, um pouco esbaforido por ter percorrido todo o trajeto ascendente pela escada comum. 

O rapaz estava correto: eu realmente atrapalhei a circulação e ele, que devia ter algum compromisso muitíssimo importante, teve que sofrer as agruras de subir a escada "a pé". Não lhe ocorreu, claro, pedir licença, afinal seria afronta ele pedir licença a alguém que estava usurpando-lhe um direito! Lembro-me que alguns segundos depois que pisei no primeiro degrau, olhei para trás para ver se vinha alguém. Ninguém. Continuei o restante do trajeto tranquilo. Imagino que ele deva ter chegado logo depois, visto lá de baixo que eu estava bloqueando a passagem e, com a fúria de um titã, resolvido subir na escada ao lado. 

Se a escada é rolante, é ela quem deveria rolar e o usuário apenas seria conduzido de baixo a alto e vice-versa, sem esforço. Mas há alguns anos existe uma placa nas escadas indicando que o lado esquerdo deve ser deixado livre para circulação. Nunca li nada a respeito, mas tenho certeza de que essa ideia do Metrô não visa somente a apaziguar a pressa dos usuários. Andar de metrô está cada vez pior, o número de linhas é insuficiente para o tamanho da cidade e nos horários de pico faz uma diferença enorme deixar a esquerda livre, pois isso permite que os usuários saiam das plataformas, e por conseguinte da estação, mais rapidamente.

Resumindo: juntou-se a pressa dos paulistanos com a má gestão para melhorar os serviços do Metrô. E o que vem acontecendo nas escadas rolantes é apenas o sintoma mais leve disso.

Deixe a esquerda livre ou alguém pode te xingar...


terça-feira, 26 de junho de 2012

Vai discordar ou vai de bullying com a Gillette?


Em tempos nos quais o bullying é discutido quase que diariamente em programas de televisão, rádio, revistas, jornais, escolas e universidades, um comercial no qual uma pessoa é constrangida a trocar de produto simplesmente pelo apelo da força física de outros não me parece uma ideia construtiva. OK, a primeira alegação a favor do comercial é de que ninguém ameaça o rapaz verbalmente. É verdade, mas a situação que se configura dispensa ameaças verbais: ele está cercado por uma série de homens muito mais fortes que o acusam de estar amarelando, uma dupla referência tanto à cor do produto pelo qual ele havia optado e, mais importante, quanto ao fato de que ele estaria se acovardando ao escolher um produto que não é visto como "campeão".

 O comercial pseudoengraçado

"Ah, mas é só um comercial". Sim, é só mais um comercial fazendo apologia de coisas que não prestam. Assim como muitos comerciais de cerveja repetem diariamente que as mulheres não passam de objetos sexuais aptos a buscar cerveja geladinha para seus namorados/maridos. Não há sequer uma frase dizendo porque o produto azul é melhor do que o amarelo.

O rapaz chega a dizer "Que é isso, pessoal, vocês entenderam errado, eu vou é de Gillette mesmo." Ou seja, acuado, ele troca o produto e assume a preferência que lhe está sendo imposta. Acredito que esse tipo de imagem construída em comerciais como esse estimulem a encarar o bullying como algo normal. Com certeza alguns dirão: "Ah,  mas o comercial é para adultos." Não importa, porque crianças também o veem. E o pior de tudo, elas podem pensar que se o bullying (ou assédio moral, para quem preferir) é comum no mundo adulto, por que não seria no universo infantil e adolescente? Esse tipo de atitude, que constrange a ação de outros, é sempre bem vista por quem gosta de exercer formas de poder desproporcional.

Com certeza, a próxima vez que for comprar lâmina de barbear, não será dessa marca azul. Vou AMARELAR com gosto!

sexta-feira, 30 de março de 2012

O mundo das Letras - com verdadeiras e falsas lembranças

Por diversão, entrei na brincadeira de alterar as legendas a partir da imagem de abertura da série As Brasileiras, referindo-me ao universo do curso de Letras. Isso foi muito mais uma brincadeira com as minhas amigos e meus amigos que fizeram esse curso comigo na FFLCH-USP e com quem compartilho lembranças deliciosas de anos de estudos, bate-papos e muita discussão. 

O resultado está aí. Espero que gostem!



Versão vertical: 



domingo, 25 de março de 2012

O autor à frente de seu público - o caso "Fina Estampa"

O final de Fina Estampa está causando uma verdadeira enxurrada de comentários, especialmente no Facebook. Um verdadeiro mar de pessoas sofredoras, indignadas, tristes, revoltadas etc. com o final da novela. Comecei a me perguntar por que o final foi tão decepcionante assim (não para mim, claro!) e aqui tentarei traçar algumas questões. 



Todos queriam saber quem era o amante de Crô, o tal com o escorpião tatuado no pé. Pois bem, Aguinaldo Silva não quis nomear um personagem, deixou a questão em aberto. Isso magoou muita gente, afinal é muito importante (especialmente para os heterossexuais, diga-se de passagem, mas não exclusivamente, que fique claro) saber quem é gay e quem não é. Um gay à solta sem identificação muitas vezes "prejudica os trabalhos" dos heterossexuais: homens heterossexuais  não sabem se o amigão do peito que eles julgam tão macho quanto a si mesmos pode ter uma vida paralela e mulheres heterossexuais ficam em dúvida se o "homem" com quem estão saindo ou desejam é realmente  o macho alfa com quem elas vão casar e ter filhos. Parabéns, Aguinaldo Silva, por não ter entregado um nome ao público. Ainda hoje há mais gays trancadinhos no armário do que fora dele. Muitos gays de armário, por exemplo, são casados, têm filhos, jogam futebol etc., portanto é muito bom ter deixado essa "dica" para o público: o amante de Crô pode ser qualquer um. É mais importante saber que ele existe do que saber quem ele é. 

E Baltazar, era gay? Também correrá por conta da imaginação do público. Ele diz a Crô: "Estou aqui te pedindo para sair do armário. Ou melhor, estou te implorando, porque a vida não tem a menor graça sem você aqui fora." Uma declaração de amor torta, como disseram alguns? Não necessariamente. Será que seu pedido de que Crô saia do armário não é o seu próprio desejo de sair? É uma possibilidade. O que aconteceu antes dessa suposta declaração torta não pode ser deixado de lado. Baltazar foi abusivo (física e emocionalmente) com a esposa e a filha boa parte da novela, o que poderia ser um sinal de ódio a elas (e por extensão ao convívio familiar), uma forma de externar o desejo reprimido de ter uma vida com outro homem (ou uma vida sem família, por que não?). A sua constante negação de ser gay também é outro fator. Ninguém precisa ter feito curso de psicanálise para saber que muitas vezes as negações significam afirmações e vice-versa. Afinal, ele continua trabalhando para Crô. Se tinha tanta aversão a gays assim, por que vai aceitar ter um como patrão e não procurar outro emprego? Ele é um motorista experimentado, há anos na função. A própria Tereza Cristina disse repetidas vezes que só não o demitia porque ele era um profissional bem treinado para a função. Essa foi outra construção excelente de Aguinaldo Silva. Ao final, o autor não diz que sim, nem que não, deixa a questão para se pensar, ao mesmo tempo em que dá uma belíssima bordoada em boa parte dos gays: Crô diz que fundou o Centro de Amparo ao Homossexual Pintoso porque os pintosos (afeminados) são os que mais sofrem preconceito, inclusive dos próprios gays. O que poderia ser um discurso unilateral, ganha força pela capacidade de o autor mostrar que em questões desse tipo criar uma "guerrinha de sexos" não leva a nada.. 

E a Tereza Cristina, que voltou com uma bela gargalhada escrachada? Ótimo, na minha opinião. No país em que vivemos, onde a justiça faz troça com a cara da população todos os dias, uma personagem como ela não merecia morrer nem ficar louca (que seriam finais aceitáveis até o final da década de 1990). Sua volta me fez lembrar a vitória de Maria de Fátima em Vale Tudo, quando no último capítulo ela deixa o filho com a  mãe e vai viver com o marido nobre, um casamento rentável e que lhe permite manter o amante. No final da década de 1980, Vale Tudo antecipava um comportamento que viria a se tornar comum: a busca desenfreada por dinheiro e status. Acredito que Fina Estampa não antecipa um comportamento, mas esfrega um na cara do público: quem tem dinheiro faz praticamente o que quer, pois a justiça é lenta lentíssima para enquadrá-los. Quem acompanhou a novela viu isso claramente. Mais importante do que achar ridículo ou legal Tereza Cristina ter voltado, é entender o porquê da volta. E Griselda faz parte disso, afinal ela foi a mulher correta, guerreira, que não fez nada de errado, que criou os filhos com sacrifício e blá blá blá, mas para pessoas como Tereza Cristina ela não é nada (mesmo com 50 milhões na conta) e nunca será, pois tais dignidades não contam. Sua risada escrachada no final devolve à heroína Griselda a vulnerabilidade que ela pensava não ter mais. Em um mundo com tantas Terezas Cristinas à solta, talvez a única solução seja contar com o final que teve Odete Roitman: um assassinato, ainda que por engano - contras as mentalidades, não as pessoas, evidentemente...






Parabéns, Aguinaldo Silva, por não ter escrito um final óbvio! Te aguardo na sua próxima novela das nove!


quarta-feira, 21 de março de 2012

Dia Mundial do Teatro

Hoje é dia Mundial do Teatro! Para comemorar, uma singelíssima homenagem à minha tragédia grega favorita: Medeia, de Eurípedes. 

Além de ser minha tragédia favorita, Medeia também está no título do meu blogue e já foi tema de um minicurso que lecionei aqui no Vale. Considero-a uma tragédia desafiadora pela força da narrativa que tem se mantido em diálogo com as paixões humanas desde que foi criada, em 431 a.C. até os dias de hoje. 

Para quem não conhece, Medeia, a protagonista que dá nome à tragédia, é esposa de Jasão, com quem tem filhos. A tragédia se inicia quando Medeia já foi abandonada pelo marido, pois ele vai se casar com Glauce, uma mulher mais jovem, filha de um rei e que pode oferecer um futuro digno aos filhos. Só que Medeia fez tudo que pôde por Jasão desde que o conheceu. Sendo uma feiticeira poderosa, ajudou-o a conseguir o velocino de ouro, que permitiu que ele assumisse o trono de Iolco na Tessália. Medeia mata inclusive seu próprio irmão a fim de que isso retarde a busca do pai dela, que não quer que ela fuja do reino com Jasão. Esses feitos, porém, não são presentificados na tragédia, mas sim rememorados  nela ou citados em fontes de outros autores. A mitologia clássica é muito rica, pois há diferentes versões as narrativas. 

 
Maria Callas como Medeia no filme de 1969 de Pier Paolo Pasolini 
(a imagem no topo do blogue é do mesmo filme) 


Arrasada com a decisão de Jasão e após muita luta com sua própria consciência, ela decide se vingar do marido e de sua futura esposa. Para isso, pede desculpas pelas atitudes desesperadas que têm tomado e envia como presente um véu e uma tiara para Glaucia, a noiva. Ao colocá-los na cabeça, o presente revela a verdadeira intenção de Medeia: véu e tiara estavam enfeitiçados e provocam uma morte terrível à pobre jovem apaixonada por Jasão. Sem o casamento real, resta a Jasão confrontar a esposa abandonada. E quando ele o faz, Medeia acabara de matar seus filhos, retirando de Jasão tudo que ele tinha: a perspectiva de uma vida nova casado com uma princesa e a chance de prosseguir com sua descendência. 

Medeia prestes a matar os filhos, de Eugène Delacroix, pintura de 1838, é uma das inúmeras representações sobre a protagonista da tragédia Medeia, de Eurípedes 


Se até agora Medeia pareceu cruel e ardilosa, ainda há um detalhe: ela não será punida. Quando Jasão a confronta e quer puni-la pelos crimes que cometeu, ela categoricamente avisa que ele nada conseguirá, pois o deus Sol (avô de Medeia) lhe enviara uma carro flamejante que a levará para Atenas, onde terá a proteção do rei Egeu, a quem no meio da narrativa fizera uma troca: o rei a protegeria de qualquer ataque e ela lhe ajudaria, com seus poderes de feiticeira, a ter filhos. 

Medeia nega o pedido de Jasão para enterrar os filhos: "Não é possível; são palavras vãs", diz ela, voando com os filhos mortos no carro flamejante, enquanto Jasão se lamenta com Zeus e o Corifeu encerra a tragédia.  


Renata Sorrah e José Mayer na encenação de Medeia (2004) no Rio de Janeiro 

Quem tiver interesse em ler a tragédia, indico as traduções de Mario da Gama Kury, publicada pela Jorge Zahar, e de Trajano Vieira, publicada pela Editora 34. Ambos tradutores excelentes, profundos conhecedores da língua e da cultura grega. 

                Tradução de Mario da Gama Kury                        Tradução de Trajano Vieira